O Paradigma do Fim

O último grau de Generalização
 
A análise das civilizações, sua correlação, sua confrontação, seu desenvolvimento, sua interdependência, são questões extremamente difíceis enquanto problemas, seja na dependência dos métodos, na profundidade da pesquisa, onde alguém pode obter resultados não apenas diferentes, mas diretamente contrários. Contudo, mesmo para obter as mais aproximadas conclusões, alguém deve aplicar a redução, reduzir a variedade de critérios para um modelo simplificado. O marxismo prefere apenas a abordagem econômica, que se torna substituta e denominador comum para todas as outras disciplinas. Assim também é o liberalismo (apesar de o ser menos explicitamente). 
A geopolítica, que é menos conhecida e menos popular que uma variedade de aproximações econômicas, mas não menos efetiva e óbvia em explicar a história das civilizações, sugere outro método de redução completamente diferente. Outra versão do reducionismo são as formas diversas de abordagem ética, que incluem "teorias raciais" como seu aspecto extremado.
 
Finalmente, as religiões sugerem suas próprias modalidades reducionistas para a análise da história das civilizações. Esses quatro modelos parecem ser os modos mais populares de generalização, e através deles existe uma diversidade de outros métodos, onde os mais tardios puderam fracamente emergir com certos critérios de popularidade, obviedade e simplicidade. 
 
A noção de "civilização" é de uma escala extremamente grande - talvez a maior, que é a da consciência histórica da humanidade, que é capaz de gerar - de métodos de redução que podem ser extremamente próximos, deixando de lado nuances, detalhes e fatores de média ou baixa relevância. Civilizações são conglomerados humanos, que possuem vastas marcas espaciais, temporais e culturais. De acordo com a definição, civilizações devem ter um tamanho significativo - elas devem durar muito, controlar regiões geográficas significantes, gerar estilos especiais e expressivos de cultura e religião (e, algumas vezes, de ideologia).
 
Ao fim do segundo milênio d.C., alguns resumos históricos das civilizações sugerem a si mesmos, por conta da significância da informação que sugere a ideia de concretização de algum limite, de algum limiar. E, consequentemente, a ideia aparece para trazer direções diversas da análise de civilização para um só paradigma universal. Certamente, o grau de simplificação, aproximação e redução será ainda maior do que nas quatro formas anteriormente mencionadas de modelos de redução, mas mal deve ser considerado como um obstáculo insuperável. 
 
Qualquer generalização (feliz ou não, uma justificada ou uma não especial) virá indispensavelmente através do criticismo afiado, que pode se levantar como uma questão tanto por parte dos "especialistas particularmente devastados", tendo esquecido há muito tempo os princípios primordiais do turbilhão de detalhes, e consciente ou instintivamente aderentes a algumas outras generalizações, apenas usando pragmaticamente as contradições nos detalhes para desacreditar o todo.      
 
Além disso, os temas do "Fim da História" (Francis Fukuyama), do "Choque de Civilizações" (Samuel Huntington), da "Nova Ordem Mundial" (George Bush), "Novos Paradigmas" (Nova Era), "Tempos do Messias", "Fim da Utopia", "Paraíso Artificial", "Cultura do Apocalipse" (Adam Parfrey), tornaram-se mais e mais populares conforme nos aproximamos dos limites do século - o limite do milênio. E todos esses temas são atendidos somente em um ou outro nível através de complicados modelos de reducionismo, que são fruto do início mais restrito de métodos unificados - primeiro de tudo, são aqueles quatro acima mencionados. 
 
O verdadeiro Marxismo
 
A doutrina de Marx foi tão popular no século XX, que é completamente difícil falar sobre ela, especialmente na Rússia, onde o marxismo foi, durante décadas, proclamado como a ideologia oficial. Esse problema é visto do mesmo modo mórbido e insaciado com alusões e conotações por intelectuais ocidentais, que também disputam e debatem Marx como tema central dos discursos filosóficos e culturais. Ninguém influenciou tanto a história moderna quanto Marx o fez - é difícil nomear um pensador comparável a ele em fama, popularidade e circulação de livros.
 
Entretanto, a exploração excessiva do marxismo trouxe, em algum momento, um resultado reverso - suas ideias e doutrinas pareceram tão universais, que em algum ponto alguém parou de compreendê-las, transformando o marxismo num dogma, um dispositivo, um clichê obscuro, que passou a ser usado e interpretado de um modo totalmente arbitrário.
 
Marxistas ortodoxos bloquearam as reflexões naquela esfera, canonizando as visões de Marx em esferas, onde elas eram obviamente desprovidas pelo curso da História me si mesmo (tanto econômica quanto política). Hereges e revisionistas alongaram demais o marxismo, incluindo ideias e teorias que, estritamente falando, não têm relação com o contexto marxista em si. E, depois de algum tempo, chegamos até uma situação paradoxal, quando o pensador mais popular e famoso do tempo presente (impenetrável) se tornou ininteligível para a maioria das pessoas. Ultimamente, o "nó Górdio" do marxismo foi liquidado pela declaração da filosofia marxista e da economia política da "ilusão" e, então, houve a renúncia universal da ideologia. 
 
O louvor excessivo e o dogmatismo voltaram-se para o mesmo caminho de excessiva subversão e relativismo. E a troca acelerada que parece tão impressionante e que construiu o marxismo foi subitamente liquidada em todas as partes. As forças, responsáveis pela criação do culto dogmático e alienado à Marx, foram as mais zelosas eliminadoras. Mesmo assim, Marx praticamente não teve aderentes, mas os poucos que aderiram não se tornaram menos profundos e contundentemente exatos em definir certas questões por conta disso.
 
A situação está se erguendo, a situação onde o marxismo, além de perder seus aderentes pouco a pouco, pode ser aplicada por forças completamente diferentes, tendo permanecido à parte do marxismo nesse tempo, quando a agitação intelectual e política ainda reinada em torno de suas ideais e nomes.
 
Tal distância sem engajamento em ou um outro campo marxista no estágio prévio da história intelectual permite redescobrir Marx outra vez, ler sua mensagem no caminho que antes era impassável. É absolutamente óbvio que a vasta parte das visões históricas e culturais de Marx são desesperadoras, obsoletas, e vários aspectos de sua doutrina devem ser descartados (rejeitados) já que são inadequados. Contudo, é mais importante considerar imparcialmente esses aspectos de sua doutrina, que, vice-versa, retêm completamente algum valor na atualidade, e que podem ajudar a compreender, de algum jeito, os aspectos mais importantes do paradigma histórico em seu quadro econômico, social e político. E não há quem possa ser comparado a Marx nesse sentido. 
 
Nomeadamente, foi ele quem formulou a capacidade do reducionismo do paradigma histórico, capaz de explicar seu processo essencial e suas orientações com uma confiabilidade contundente, uma obviedade convincente. Contudo, não é inconveniente se lembrar da compreensão dos princípios marxistas da fórmula histórica. A abordagem de Marx para a história é dialética, pressupondo o desenvolvimento de correlações dinâmicas entre os (princípio) principais sujeitos dos eventos históricos. É perceptível, juntamente com o dualismo fundamental desses assuntos, essa influência através de sua teoria, o que predetermina a dialética, seus conteúdos e a base ética de seu curso. 

Esses dois sujeitos foram definidos por Marx como o trabalho e o capital. Marx considerou o trabalho como um impulso criativo e construtivo do ser, o elemento central da vida e da ação, como um princípio solar e positivo. Usando expressões que carregavam conceitos darwinistas, o marxismo diz que "o trabalho fez do macaco um homem". A questão é que o elemento da criação e da produção é o principal vetor de existência, que muda os processos dum estágio horizontal e interno para um estágio vertical e volitivo. 

De acordo com Marx, o trabalho é um princípio claro e positivo. Fora da ética da Bíblia, na qual o trabalho é resultado da Queda e algum tipo de punição por conta da violação de Adão em relação aos mandamentos divinos (tal atitude em relação ao trabalho é característica presente também em outras tradições religiosas), Marx indubitavelmente proclamou o trabalho como um elemento sagrado, inteiramente positiva, e sua primazia (sua natureza primeira) é o valor próprio e a autossuficiência como suas características. Mas, em seu estado primordial, o trabalho, como impulso primário do desenvolvimento do ponto de partida da história (como a Ideia Absoluta de Hegel) ainda não se concretizou, não pode trazer a completude de sua natureza inerentemente iluminadora. 

Para atingir isso, um processo de movimento longo e complicado é exigido através dos labirintos dialéticos da história. Só depois de terríveis provações e proezas, o trabalho estará apto a atingir seu estado vitorioso e triunfante através de um número de auto-negações dialéticas, a se tornar completamente cônscio, alegre e livre. De acordo com Marx, toda a história é encontrada entre o "comunismo das cavernas" - o estado primordial, quando o trabalho era livre, mas não realizado e nem universal - e o puro comunismo, quando o último retorna ao seu caráter iluminado de autossuficiência, tendo caminhado através do labirinto da alienação, mas isso ocorrerá plenamente, então, em sua extensão completa, total e universal. 

O homem se torna humano depois de realizar o elemento do trabalho. Mas ele se torna um humano completo só depois de estar apto a realizar o valor absoluto desse elemento, livrando o último de todos os toques do princípio negativo, o que é a época do comunismo. Então, qual é esse polo negativo, de acordo com o marxismo? O que se opõe à natureza iluminante do trabalho?

Marx chama esse polo de "exploração", e ele instintivamente revela a forma suprema e perfeita dessa exploração no capital. O capital é o nome para a palavra mal, de acordo com o marxismo, o princípio sombrio, o polo negativo da história. Entre o "comunismo da caverna" do homem que ainda se formava e o comunismo puro há um longo período de "exploração", alienando o trabalho de sua essência, de suas provações e privações, bloqueando o sol no labirinto da escuridão.  

Falando de modo apropriado, isso é apenas o conteúdo (substância) da história. O capital não aparece duma só vez, mas se mostra gradativamente como instrumento e mecanismo do elemento iluminador da exploração do trabalho por meio de forças sombrias de usurpadores perfeitos em si mesmos. O desenvolvimento do trabalho é condutivo ao desenvolvimento dos modelos de exploração.
 
As dialéticas complicadas das forças produtivas e da correlação das relações produtivas e suas dinâmicas constantes leva aos dois polos da história econômica ao longo da espiral do desenvolvimento. Os objetivos opostos e os vetores de atividade dos trabalhadores e dos exploradores promovem o caminho objetivo da intensificação de um processo político e econômico. As forças produtivas são estruturas internas do trabalho e de sua organização. As relações de produção são o modelo para a interação dessa estrutura básica com o princípio do explorador.
 
O elemento do trabalho é o elemento da abundância. O trabalho sempre produz algo além do que é necessário para suprir as necessidades vitais dos próprios trabalhadores. Aí está a essência positiva, criativa, iluminante, um princípio solar de fato. O trabalho produz excedente. Esse excedente, essa sobra é tomada pelo polo negativo, os parasitas da história. As relações produtivas são, através de toda a história econômica, reduzidas à expropriação de alguma substância dos agentes, da minoria. Como as forças produtivas são perfeitas em si mesmas, assim também o são os paradigmas de exploração. Mas, já nos primeiros estágios da história da humanidade, podemos desvendar os aspectos característicos de dois seres, que se confrontam com toda sua força até o fim. 
 
O trabalhador primitivo é o germe do proletariado industrial. A elite tribal é o germe do capital. Conforme os longos milênios da história da humanidade passam, dois sujeitos do drama mundial atingem seu mais puro estado, plenamente concretizado e resumem todos os estágios prévios. Do sistema de posse de escravos, passando pelas relações feudais até chegar à forma do capitalismo em si, o mais importante em muitos aspectos escatológicos é o estágio da doutrina marxista. Aqui, todas as complicadas situações sociais são reduzidas ao dualismo absolutamente claro - o proletariado como classe é a incarnação do elemento de trabalho econômico e histórico e seu resultado, e a burguesia é aquilo que incorpora o polo absoluto, o mais perfeito, completo e consciente da exploração.
 
O polo resplandecente finaliza seu caminho trágico através dos labirintos da alienação, e o polo obscuro se aproxima de sua vitória completa. O proletariado e o capital. O puro trabalho, o proletariado que não possui propriedade ("exceto suas correntes") - e o capital puro, sendo transmutado daquilo que é possuído para aquilo que possui, no elemento da pura alienação, da absoluta exploração. Marx reduz todos os problemas históricos, filosóficos, culturais, sociais, científicos e técnicos ao seu esquema econômico e político, considerando essas coisas como derivadas disso e secundárias em relação ao paradigma básico.
 
Mais além, Marx proclama que a segunda revolução industrial, que representava a realização do capitalismo em seu auge, era o ponto de virada da história mundial. Naquele momento, os dois sujeitos históricos - o trabalho e o capital - tornaram-se não apenas ferramentas da história dentro duma lógica objetiva, mas seus sujeitos conscientes e auto-dependentes, aptos não apenas a submeter a necessidade, mas também a gerenciar os mais importantes processos históricos, preparar esses processos, provocar, projetar, estabelecer seus próprios desejos autônomos. A questão não é sobre o indivíduo ou o grupo, mas sim sobre o sujeito da classe.
 
O proletariado, tendo se tornado uma classe, se transforma numa personalidade histórica, realizado pelo trabalho, o sucessor do excedente em todos os estágios de seu desenvolvimento. O capital incorpora a minoria do mundo, a remoção, a alienação, mas só no estado absoluto, livre, volitivo e pessoal. Daí em diante, ele se torna apto a planejar a história, a gerenciá-la. Nesse estágio, o trabalho e o capital passam para o nível de ideia ou ideologia, e existem desse ponto em diante não apenas como substâncias objetivas da realidade, mas também de um espaço de pensamento ideológico.
 
A chegada dessas duas personalidades na esfera do pensamento revela plenamente o dualismo essencial também nessa esfera - há o pensamento do trabalho e o pensamento do capital, há a ideologia do excedente e a ideologia da subtração. Ambas ideologias recebem a máxima independência e liberdade, e toda a esfera da consciência se transmuta da esfera da reflexão para a esfera da criatividade, da projeção. A ideologia do trabalho (a filosofia proletária) retém aqui seu caráter criativo também, e cria o projeto. A ideologia do capital (a filosofia burguesa) permanece essencialmente negativa - usurpa e reproduz o vazio, conceitualiza o imobilismo, congela a vida, postula o presente momento e nega o objetivo.

A suprema e mais perfeita fórmula do capital é, de acordo com Marx, a política econômica liberal inglesa - especialmente a teoria da "livre troca", do "mercado universal" de Adam Smith e seus seguidores. Mas, com exceção disso, a forma mais evidente que existe é a variedade de construções ideológicas sutis, complicadas e complexas, cobrindo o fôlego pernicioso e parasitário do capital. A filosofia burguesa  torna-se, daí em diante, a arma de exploração mais efetiva, sua forma superior.

Mas, para contrabalançar essa filosofia, o corpo doutrinário da classe trabalhadora forma a si mesmo, os principais contornos da ideologia comunista se tornam mais e mais claros. Marx considerava seu próprio trabalho nesse contexto. Ele tinha o pressentimento de que suas ideias formariam a "filosofia do proletariado", tornando-se o mais importante instrumento de trabalho durante sua última batalha escatológica contra seu inimigo, desde os tempos mais remotos.

Marx proclamou um tipo de "Evangelho do Trabalho". Ele assegurou o trabalho como sendo o ponto de transformação na história política e econômica, transformando-se no puro trabalho, trabalho que deveria realizar a si mesmo momentaneamente em sua história, começar a desempenhar a função de um dos dois polos teleológicos da história, desvendando o mecanismo de decepção e alienação como sendo a base de toda exploração, desmascarando a função negativa, vampírica e de subtração do capital (por meio da explicação do valor do excedente de produção e a lógica de expropriação) e trazendo a revolução proletária, que deveria lançar o capital no abismo da não-existência e desenraizar o mal do mundo.

Depois dessa curta fase de formação transitória (socialismo) o "Éden na Terra" viria, o trabalho tornar-se-ia completamente livre do princípio obscuro. Aqui, a essência do modelo marxista de política e economia é delineada. E alguém pode reconhecer (admitir) que ele é tão persuasivo e confiável, que não nos surpreende o por que de as visões de Marx terem cativado tantas pessoas no século XX, tendo se tornado um tipo de "religião", para a qual sacrifícios sem precedentes foram feitos.

De que modo o panorama de Marx foi colocado em prática? Em que ele foi inexato, ou desaprovado? Como poderia o conteúdo da história política e econômica de nosso século ser considerada, se nós permanecemos nos padrões delineados pela filosofia histórica marxista? No limite do terceiro milênio, podemos afirmar que o capital venceu o trabalho, virou a mesa e evitou a revolução, dissolveu a manifestação histórica completa do trabalho como matéria revolucionária, impediu o perigo de uma concentração filosófica proletária num aparato unitário, pleno em direito ideológico. 

Mas, ainda assim, o trabalho inspirado por Marx tentou dar "a última e decisiva batalha" contra seu inimigo primordial. O trabalho foi derrotado, mas o fato da grande batalha não pode ser negado. Essa batalha é só o conteúdo principal da história política e social do século XX. Tudo isso de acordo com Marx, mas com algum outro resultado (não um resultado bom). O mal mundial venceu. A subtração tornou-se ainda mais forte e mais hábil do que o excedente. O capital tomou a forma de sujeito provido de superioridade sobre o trabalho, tendo também tomado a forma do sujeito.

Como isso toma lugar na vida real? Primeiramente, a primeira falta de correspondência para com a ortodoxia marxista aconteceu no momento da grande Revolução de Outubro. Esse evento tornou-se o ponto chave da história pós-marxista. Por outro lado, a revolta dos marxistas-bolcheviques demonstrou o fato de que as ideais marxistas eram verdadeiras e se confirmavam pela prática real. O partido trabalhista proletário comunista se tornou apto a fazer a revolução, derrubar o sistema explorador, destruir o poder do capital e a classe burguesa, construir o Estado socialista, tudo se baseando nas teses de Marx em si mesmas.

O marxismo foi proclamado como ideologia dominante do Estado. Em outras palavras, a experiência russa deu a primeira confirmação do direito e da efetividade da doutrina marxista revolucionária. Contudo, o fato de que a revolução russa é a mais importante circunstância aqui - a revolução proletária bem sucedida não aconteceu onde e quando Marx havia predito. O erro espacial e temporal não foi quantitativo, mas sim qualitativo. Contudo, esse erro carrega uma enorme significância doutrinária.

Marx supôs que o estágio final do proletariado como classe e sua ação de formação do partido revolucionária deveria vir dos países mais desenvolvidos, dos países industrializados do Ocidente, exatamente onde os mecanismos burgueses atingiram seu mais perfeito estado de desenvolvimento, e o proletariado industrial nesses lugares tornar-se-ia a classe dominante de todas as forças produtivas. Marx achou que as revoluções proletárias iriam provocar uma reação em cadeia imediata em outras sociedades e Estados. Marx estava seguro de que outros pontos espaciais e temporais nas revoluções socialistas não poderiam surgir, por conta de ambos sujeitos históricos - o trabalho e o capital - que ainda não haviam atingido seu estágio, quando estariam completamente adequados para a transição do material para o ideal, do subjetivo para o consciente, quando o máximo estágio de base para o desenvolvimento de uma superestrutura numa forma adequada fosse possível.

A experiência russa mostrou o fato de que a revolução socialista tornou possível e procedeu com sucesso num país de capitalismo subdesenvolvido, muito antes da conquista em plena escala do segundo estágio da revolução industrial, num país onde a parcela do proletariado industrial era insignificante, e onde, após a revolução vitoriosa dos bolcheviques e de seu processo não ter se espalhado por toda a Europa, havia permanecido contido nas bordas do antigo Império Russo. O trabalho formou o partido político e venceu o capital em condições completamente diferentes daquelas vistas por Marx.

Em outras palavras, a histórica Revolução Russa corrigiu sua teoria espiritual paterna. O senso de correção história é até o mais extenso limite compreendido na pesquisa do fenômeno nacional-bolchevique, analisado em detalhe com Mikhail Agurskiy. A revolução proletária na Rússia provou o fato de que a vitória do trabalho sobre o capital é possível e real somente com a condição da participação de suas dimensões político-econômicas adicionais - o nacional-messianismo (completamente desenvolvido nos judeus russos e do Leste europeu), místico e de tendências niilistas sectárias (tanto do povo ordinário quanto dos intelectuais), os blanquistas de estilo ordenador e conspiratório do partido revolucionário (o leninismo e, mais tarde, o stalinismo). 

A propósito, o conjunto análogo de abordagens, apesar de menos radicais, assegurou a vitória de algumas outras forças anticapitalistas, que foram aptas a concretizar na prática a revolução quase socialista - o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão. Em outras palavras, o marxismo passou a ser historicamente praticável em formas heterodoxas e nacional-bolcheviques, algo um pouco diferente daquele conceito estrito de Marx.

Isso se tornou verdade apenas em combinação com outros fatores e, mais especificamente falando, onde a doutrina política e econômica de Marx era combinada com tendências culturais e religiosas que eram muito diferentes do discurso histórico-cultural (das sugestões) do próprio autor do Capital. Em contraste com o sucesso da realização histórica do marxismo está o sucesso do nacional-bolchevismo, a transição para o socialismo que não ocorreu no Ocidente burguês no momento em que o capitalismo alcançou seu limite de desenvolvimento, no limiar da terceira revolução industrial (e isso aconteceu nos anos 1960 e 1970 do século XX).

Enquanto que o marxismo em sua versão heterodoxa se tornou praticável, a versão ortodoxa foi refutada pela história. O capitalismo, em sua forma  mais desenvolvida, se transformou em algo apto a superar o estágio perigoso de desenvolvimento, efetivamente vencendo a ameaça de rebelião proletária e passando para um nível ainda mais perfeito de existência, quando a alternativa se opôs ao próprio sujeito, quando o proletariado foi abolido, dispersado, vaporizado enquanto classe e quando o partido escatológico do trabalho, dentro desse sistema complicado, não teve outra alternativa senão passar para a Sociedade do Espetáculo (Guy Debor). Em outras palavras, a sociedade pós-industrial, tornando-se em realidade, definitivamente mostrou que as profecias compreendidas por Marx literalmente não foram trazidas à vida. Isso, aliás, é a razão da grande crise do marxismo europeu moderno.

Mas hoje nós sabemos também que o triste fim do Estado socialista, que foi liquidado como resultado de um processo exclusivamente interno, tendo levado o sistema nacional-bolchevique às vésperas fatais da Perestroyka. E outros regimes não-capitalistas da Europa também caíram - a Itália fascista e a Alemanha nacional-socialista. Então, no final do século XX, o capital havia vencido sobre o trabalho em todas as manifestações ideológicas - seja o marxismo ortodoxo (na forma da Social-Democracia europeia), a versão nacional-bolchevique dos sovietes ou dos tipos muito próximos, comportam variações dúbias dos regimes europeus chamados de "terceira via". 

A vitória do capital sobre o trabalho, em adição, mostra um grau maior de consciência do polo exato da história, que é apto a manter a aderência de longo termo ao seu objetivo primário, que é preparado para fazer conclusões a partir de seus inimigos históricos, modelos conceituais e também estudando e admitindo a prática de métodos e paradigmas, revelados pelo gênio revolucionário, para o propósito da prevenção.

Depois de Marx, o campo do trabalho em escala político-econômica global foi dividido em três campos ideológicos desarmônicos, conflitantes uns com os outros - o socialismo soviético (nacional-bolchevismo), a social-democracia ocidental (com reservas) e o fascismo. O campo capitalista permaneceu indivisível em sua essência e utilizou as contradições das ideologias do trabalho. Então, ao invés de unir o proletariado num partido comunista revolucionário, primeiramente pró-soviético, num radicalismo que apoiasse as organizações bolcheviques sob controle do Comintern, o que significava que estariam associados a Moscou como capital da Terceira Internacional, e postos com efeito sob seus desejos, depois, aos partidos social-democratas aborígenes, lutando pela autoridade nos círculos proletários com forças pró-Moscou, e, em terceiro lugar, com movimentos nacional-socialistas, aplicando a experiência nacional-bolchevique de Moscou (mas numa variante muito mais flexível) aos seus próprios contextos nacionais, formados no Ocidente burguês no momento crítico da história.        
 

A estratégia do capital consiste em três tipos de forças de trabalho e expressões ideológicas que estavam, de todos os modos, opostas umas às outras, evadindo a qualquer custo sua consolidação num organismo sócio-político histórico unificado. A social-democracia oposta ao bolchevismo, ambos opostos ao fascismo, e o fascismo em si mesmo oposto à social-democracia e ao bolchevismo. O estágio mais bem-sucedido dessa estratégia foi o "front do povo" da França durante a época de Leon Blum e das relações aliadas entre a URSS e da Inglaterra com os EUA durante a guerra contra os países do Eixo.
 
Por outro lado, os social-democratas ocidentais (não aderentes ao marxismo social-bolchevique ortodoxo) eram ativamente levados ao colaboracionismo político com o establishment burguês pela representação parlamentar, foram corrompidos pela cooperação com o sistema e também foram simultaneamente opostos aos "agentes de Moscou" dos partidos leninistas bolcheviques (a política de Karl Kautskiy é a mais significativa nesse sentido).
 
Finalmente, nos padrões do Estado soviético em si mesmo, havia não apenas a formação consistente e completa da doutrina do nacional-bolchevismo realizado através de uma ideologia contraditória, na qual o seu "ser" adotou o "é", elementos que foram cruzados em correlações estritas postos em aproximação com a herança de Marx (o que deve ser aceito e aquilo que deve ser rejeitado). Ao invés de tais correções, as ideologias soviéticas foram do leninismo insistente para a adequação do marxismo ortodoxo, negando esses aspectos e irrevogavelmente perdendo a possibilidade de uma reflexão consistente e cognitivamente adequada.
 
Ao invés da clara e simples imagem do trabalho e do capital como opostos na forma do sistema socialista soviético de um lado, e de países capitalistas ocidentais do outro, um mosaico separado emergiu, no qual a matéria extremamente negativa era de fato a própria existência de um compromisso (partindo do ponto de vista político e econômico) e os regimes fascistas conciliaram os colaboracionistas da social-democracia. Aquele fascismo intermediário e aquele componente social-democrata permaneceram firmes no caminho da formação do processo de um partido comunista proletário e internacional, o que deveria ter sido tomado em consideração durante toda a experiência espiritual da Revolução Russa.
 
Esse foi o fator externo. O fator interno consistia no sistema soviético em si mesmo e sua renúncia em fazer as conclusões ideológicas mais importantes (com todas as correções necessárias das visões culturais e filosóficas de Marx) de seu próprio sucesso, o que poderia, por seu lado, ter facilidade o processo de diálogo produtivo com o fascismo - especialmente em sua versão extrema. E, finalmente, a social-democracia ocidental, em si mesma, poderia ter feito um pacto anti-fascista com o povo, ao invés do pacto radical com forças burguesas e regimes que compreendiam negativamente noções nacionalistas do socialismo dentro do bloco unido anti-burguês.
 
O bolchevismo soviético, a social-democracia europeia e até mesmo o fascismo como anti-capitalista em sua essência eram ligados ao acordo na plataforma ideológica, em algum lugar entre a superestimação evidente de Marx pelos adeptos ortodoxos e sua evidente subestimação por parte dos fascistas. Tal ideologia hipotética, em algum absoluto universal elevado sobre o nacional-marxismo, tomando em conta a consideração de alguns outros pontos culturais, filosóficos, espirituais e nacionais juntamente com o gênio absolutamente correto do paradigma histórico de Marx; a concretização das reflexões aplicadas do ideal nacional-bolchevique poderiam ter sido efetivos em termos de uma plataforma sócio-econômica, na qual o princípio do trabalho poderia ter sido encarnado na mais perfeita forma.
 
Mas vimos que, evidente e infelizmente, isso só é possível apenas numa posterior reflexão, quando alguém pode sumarizar e analisar a grande experiência da catástrofe histórica. O capital como sujeito se transformou não apenas numa força, mas também em um tema mais inteligente do que o trabalho como sujeito. Ele não permitiu que o "fantasma/espírito/sombra do comunismo" fosse completamente concretizado na história, condenando-o a permanecer como um mero fantasma dali em diante. É algo trágico de se admitir. Mas dum ponto de vista epistemológico, de um ponto de vista de uma generalização histórica significativa que nos permitira compreender claramente essas coisas, sobre o momento da história em que estamos vivendo agora, é difícil subestimar essa conclusão.
 
O Paradigma geopolítico da História

A redução geopolítica é muito menos conhecida do que a do modelo econômico, mas é convincente e clara, mais do que tudo, muito comparável ao paradigma do Trabalho-Capital. Há também um par de noções teológicas na geopolítica, que representam o sujeito da história, mas esse tempo não se apoia em seu aspecto econômico, mas sim em seu aspecto político e geográfico.

A questão repousa sobre os dois sujeitos geopolíticos - o Mar (Talassocracia) e a Terra (Telurocracia). O outro par é sinônimo desses conceitos, o Ocidente-Oriente, onde o Ocidente e o Oriente são considerados não apenas como noções geográficas, mas como blocos de civilizações. O Ocidente é, de acordo com a doutrina geopolítica, equivalente ao Mar. O Oriente equivale à Terra.

No momento em que nós nos interessamos pelo resumo histórico, nós o convertemos em termos geopolíticos, o ponto escatológico, o qual é tão claramente visto no nível da economia. Há o problema que é formulado do seguinte modo: o Trabalho lutou contra o Capital e perdeu. Nós vivemos no período da derrota, que é considerada pela escola econômica liberal como o último período, exposto no tema de Fukuyama, o "Fim da História", ou do trabalho "Formação do Macaco", de Jaque Attali. Pode alguém enxergar na geopolítica algum tipo de analogia para tal situação? É algo admirável, mas tal analogia não apenas existe, como também é tão evidente e óbvia que nos leva para perto de uma conclusão muito interessante.

A dialética da geopolítica consiste no esforço dinâmico do Mar e da Terra. O Mar, a civilização marítima, é a encarnação da mobilidade permanente, da agitação, da falta de centros fixos. As únicas fronteiras reais do Mar são as massas continentais ao longo de suas bordas, algo oposto ao Mar em si mesmo. A Terra, a civilização terrestre, ao contrário, é a encarnação da constância, da estabilidade, do conservadorismo. As fronteiras da Terra podem ser estritas  definidas, naturais, em vários lugares da Terra em si mesma. E somente a civilização da Terra oferece bons solos para sistemas fixos de valores sagrados, jurídicos e éticos. 

A Terra (o Oriente) é a hierarquia. O Mar (Ocidente) é o caos. A Terra (o Oriente) é ordem. O Mar (o Ocidente) é a dissolução. Terra é o princípio masculino. Mar é o princípio feminino. A Terra é a tradição. O Mar é a contemporaneidade. E assim por diante. Esses dois elementos da história geopolítica se dobraram ante a mais completa e distinta expressão, começando pelo complicado sistema multipolar de contradições (muito frequentemente conciliáveis e parciais) até o esquema global de blocos.

O Mar e a Terra atingiram a escala planetária no século XXI, especialmente em sua segunda metade, quando os contornos do modelo bipolar finalmente se formaram. O Mar encontrou sua expressão mais elevada na forma dos Estados Unidos e da OTAN, e a Terra se encarnou nos países do conglomerado socialista - o Pacto de Varsóvia (PV). A divisão tecnológica do planeta em dois campos, cada um com a mais pura representação civilizacional geopolítica, já ocorreu. A civilização do Mar mudou através da história dos EUA e do atlantismo.

Apesar disso, esse caminho de mudanças não foi totalmente linear. A civilização da Terra foi encarnada em sua mais completa forma na União Soviética. O Atlântico e a Eurásia foram estrategicamente integrados, e as tendências geopolíticas ocultas, brilhantemente reconhecidas por Mackinder na base dos espaços históricos lógicos da terra, atingiram uma grande escala, a evidência superior da "Guerra Fria". Mas, com a culminação da história geopolítica no século XX, a mudança geopolítica aconteceu, o que, por algum tempo, acabou confundindo a lógica clara da ciência geopolítica.

O aparecimento dos blocos estratégicos separados nos anos 1920 e 1930 na Europa - os países do Eixo - se tornaram o maior dos obstáculos, que impediram a transformação orgânica da civilização da Terra como um sujeito geopolítico de valor, erigindo as fundações da futura derrota. Os países do Eixo tentaram conquistar sua independência geopolítica e sua autarquia, tendo rejeitado todos os fatos e recomendações das escolas científicas. O fascismo europeu foi, de um ponto de vista geopolítico, o obstáculo à expansão eurasiana natural dos sovietes rumo ao Ocidente, mas também rejeitaram o estabelecimento e a realização obediente da pura estratégia atlantista.

Tal ambiguidade prejudicou seriamente a cristalização do quadro mundial bipolar, calibrou as guerras e conflitos intercontinentais, o que desfavoreceu fortemente a tendência de a Terra Eurasiana continental desenvolvesse a si mesma e criasse sua própria estratégia geopolítica consistente.

O fascismo europeu trouxe a irresponsabilidade e a falência no sentido geopolítico de ilusão dos interesses comuns entre Mar (Ocidente) e Terra (Oriente), diante de um terceiro sujeito, que, do ponto de vista da doutrina geopolítica, não poderia ser uma ficção, já que não possuía escala geopolítica, geográfica, histórica e civilizacional suficiente. A Europa (seja ela fascista ou não) só possui duas oportunidades geopolíticas - seja como entreposto aliado ao Oriente que se desdobra para o ocidente (como foi, por exemplo, o Império Ortodoxo em relação à Roma, antes do cisma dentro do Cristianismo), seja como uma zona costeira estratégia sob controle do Mar, oposta às massas continentais da Eurásia.

A estratégia dos países do Eixo não foi nenhuma dessas duas opções. A derrota da Alemanha era evidente desde o momento em que a guerra em dois fronts havia começado. Tal empreendimento sombrio foi não apenas suicida para a Alemanha (e, em larga escala, para a Europa), mas também cavou a base geopolítica indeterminada e inacabada para todo o continente eurasiano, o que, por fim, levou toda a civilização da Terra à destruição e à falência.

Essa última sugestão é baseada na brilhante análise acerca da quebra da URSS e do Tratado de Varsóvia, feita por Jean Thiriart vinte anos antes de que isso se tornasse realidade. Thiriart mostrou que, dum ponto de vista geopolítico, o espaço estratégico, controlado por países da esfera socialista, não havia sido concluído e não poderia se manter diante de um confronto com o Ocidente. Conforme ele pensava, a principal razão era o problema da Europa dividida, que deu todas as vantagens aos poderes além-mar em detrimento da URSS. Thiriart pensou que, para resolver esse problema difícil, que havia deixado a Eurásia abandonada às políticas suicidas de Hitler, era necessário ou conquistar a Europa Ocidental e incluir seus países no campo socialista, ou, ao contrário, insistir na retirada de bases estratégicas e de tropas da URSS com a paralela dissolução da OTAN e a remoção de todas as bases estratégicas norte-americanas.

Isso permitiria a criação de um espaço neutro na Europa, que poderia assegurar a possibilidade de Moscou se concentrar plenamente em direção ao sul e lutar decisivamente contra os EUA no Afeganistão, no Oriente Médio. Mas a civilização do Mar estudada pelas teorias geopolíticas de Mackinder e de Mahan, do modo mais atento possível, não apenas comparando sua estratégia com eles, mas também compreendendo toda a seriedade dessa ameaça, indo da integração progressiva do continente eurasiático sob a proteção dos sovietes à tomada de todas as medidas possíveis para não permitir essa integração.

E, mais uma vez, assim como no caso da luta entre Trabalho e Capital, não apenas as forças históricas objetivas atuaram, mas também pode-se observar as  intervenções ativas e diretas de um fator subjetivo - agentes de influência do Ocidente fizeram seu melhor para não permitir a criação do "Bloco Continental", o pacto entre Berlim, Tóquio e Moscou, o projeto que havia sido aprimorado pelo proeminente geopolítico alemão Karl Haushofer.

Juntamente com o desenvolvimento das pesquisas, o Mar obteve o aparato conceitual efetivo lógico e intelectual, para agir através da história não apenas de modo inerte, mas consciente. O fim do bloco soviético, a quebra e a desintegração da URSS significou, em termos geopolíticos, a vitória do Mar sobre a Terra, a vitória da Talassocracia sobre a Telurocracia, do Ocidente sobre o Oriente. E, novamente, assim como no caso de pareamento do Trabalho e do Capital, nós vemos na história do século XX a distinção teológica de dois sujeitos geopolíticos muito importantes, não manifestos anteriormente, mas que, nesse tempo, se incorporam em Mar e Terra, onde nós vemos o duelo planetário e a vitória final do Mar, do Ocidente.

Se compararmos o caso da redução econômica com o modelo de explicação histórico e geopolítico, o paralelismo óbvio imediatamente tomará nossa atenção, paralelismo este que detectou todos os estágios de ambos aspectos históricos. Parece que uma só e a mesma trajetória é repetida em níveis diferentes, em paralelos diferentes, não associados diretamente uns com os outros. Contudo, a analogia seguinte é autossugestiva:

Destino do Trabalho = Destino da Terra, do Oriente
Destino do Capital = Destino do Mar, do Ocidente  

O Trabalho é fixo, o Capital é líquido. No Oriente, Trabalho é a criação de valores, aquilo que se eleva ("o Oriente" literalmente significa, em russo antigo, "nascimento"), o Capital, no Ocidente, é exploração, alienação e Queda das coisas ("Ocidente" literalmente significa, em russo, "queda"). A civilização do Mar é a civilização do liberalismo. A civilização da Terra é a civilização do socialismo. A Eurásia, a Terra, o Oriente, o socialismo, são uma sequencia de sinônimos. Atlantismo, Mar, Ocidente, Capital, liberalismo e mercado são uma sequência de sinônimos, de igual modo.

A comparação da economia política e de dois polos geopolíticos nos mostra um quadro harmonioso conceitual incomum. O "Fim da História" em termos geopolíticos significa o "fim da Terra", o "fim do Oriente". Esse quadro não nos faz lembrar do simbolismo bíblico da inundação, do Dilúvio?

O Confronto das Religiões

O nível de redução histórica em larga escala conduz à simples fórmula encontrada na história das religiões e dos problemas inter-confessionais. Pela trajetória geral do processo histórico, que nós detectamos desde seus primórdios no paradigma econômico, essa redução se tornou aplicável a todos os outros níveis analisados, que nós, confiantemente, procuramos para a analogia também dentro da esfera religiosa.

Um dos polos - o do Capital, o Ocidente, o Mar, os anglo-saxões - é traçado, como nós  vimos, dentro dos escopos do Império Romano do Ocidente, fonte e ponto de partida de todas essas tendências, que gradativamente se cristalizaram na forma desse polo. O Império Romano do Ocidente, num sentido religioso, é associado ao Vaticano, a versão católica do Cristianismo. Consequentemente, é um tanto quanto lógico apelar para o catolicismo como a matriz religiosa desse polo.

O polo oposto, o "Eurasiano", é diretamente associado ao "Bizantismo" e ao Cristianismo  Ortodoxo, já que os russos são tanto uma nação de cristãos ortodoxos quando de autores da primeira revolução socialista, eles também são aqueles que têm por morada o coração continental, que, de acordo com Mackinder, é o eixo categórico de todas as forças da Terra. Do mesmo modo, o Ocidente liberal é um resultado secularizado, generalizado, modernizado e universalizado do catolicismo, e o modelo soviético representa o mais avançado -  e também secularizado, generalizado e modernizado - desenvolvimento do Império Cristão Ortodoxo. Acerca do caráter secundário de todas as religiões do mundo, sobre a questão do drama escatológico, podemos aplicar o mesmo tipo de abordagem que usamos nas conversas sobre a escatologia étnica.

As tradições do Oriente não são focadas na escatologia, e não colocam os temas como "o fim dos tempos" ou a "última batalha" como o centro de seus temas. Não é que eles não saibam nada sobre essa realidade, mas eles não conferem a esses temas uma posição central, o que seria comparável à escatologia clara e primária do Cristianismo (ou do Judaísmo). Essa observação também explica a falta de uma forma escatológica de nacionalismo no Oriente (o que foi mencionado acima), já que as ideologias étnicas e religiosas são conectadas muito de perto umas com as outras, e acabam por definir umas às outras.

Esse esquema é muito evidente e se encaixa bem com os modelos prévios. O único ponto que precisa de esclarecimentos adicionais é a questão do Protestantismo. A Reforma foi o momento mais significativo da história do Ocidente. Não foi apenas um fenômeno multinível, mas também consistiu de duas tendências opostas, que, em última análise, deram origem às formas polares. Nós não podemos arrancar os cabelos aqui por conta de teologia e referir ao leitor toda nossa monografia detalhada acerca disso, intitulada "Metafísica da Anunciação". Vamos apenas desenhar um esquema.

O Catolicismo é um fragmento do Cristianismo Ortodoxo, já que, antes da dissidência, o Ocidente era Cristão Ortodoxo assim como o Oriente; em adição a esse fragmento à a distorção e a reivindicação de prioridade e completude. O Catolicismo é anti-Bizantismo e o Bizantismo é um tipo de Cristianismo completo e autêntico, contendo não apenas a pureza dogmática, mas também a fidelidade à doutrina social, política e de Estado do Cristianismo. Num esboço muito genérico, podemos dizer que a concepção do Cristianismo Ortodoxo acerca da sinfonia de poderes (vulgarmente chamada de "papismo de César") é associada à compreensão da significância escatológica não apenas do Império Cristão. Daí a função teológica e soteriológica do Imperador, baseada na segunda mensagem do apóstolo Paulo aos tessalônios, na qual a questão sobre aquele "que retém", o "Katechon" é abordada.

Aquele "que retém" é identificado pelos exegetas ortodoxos como a figura do Imperador Cristão Ortodoxo e o próprio Império Cristão Ortodoxo. A defecção da Igreja do Ocidente é baseada na negação da sinfonia de poderes, na rejeição do social e do político, mas, ao mesmo tempo, à rejeição da doutrina escatológica do Cristianismo Ortodoxo. É algo escatológico pois o Cristianismo Ortodoxo conecta a presença "daquele que retém", aquele que dificulta o "advento do filho da perdição" (ou seja, do Anticristo), com a existência política de um estado ortodoxo cristão independente, no qual o poder temporal (o Basileu) e o poder espiritual (o patriarca) são definidos numa correlação estrita, determinados pelos princípios da Sinfonia. Consequentemente, o desvio do paradigma sinfônico bizantino, a "apostasia", a defecção, o Catolicismo desde o início - logo após a defecção da Igreja unificada - tomou outro modelo em lugar do sinfônico (césaro-papista), onde a autoridade do Papa de Roma se espalha para outras esferas, as quais eram estritamente referidas às competências do Basileu dentro do esquema sinfônico.

O Catolicismo quebrou a harmonia providencial entre os domínios temporal e espiritual e, de acordo com a doutrina cristã, caiu em heresia. A crise espiritual do catolicismo se tornou especialmente evidente no século XVI, e a Reforma foi o ápice desse processo. Contudo, nos devemos notar que, no decorrer da Idade Média na Europa, já existiam essas tendências, que tiveram mais ou menos propensão para a restauração do modelo adequado no Ocidente. O partido dos guibelinos na Alemanha, formado pelos príncipes da casa Hohenstaufen foi um exemplo brilhante de "Cristianismo Ortodoxo inconsciente", uma resistência quase bizantina à heresia latina.

E, já naquele tempo, no centro do movimento anti-papista, estavam os representantes das casas alemãs. Durante muitos séculos, forças similares - como os príncipes alemães, novamente - apoiaram Lutero em seu protesto anti-romano. Isso é interessante, já que a crítica de Lutero contra Roma foi muito similar àquela feita tradicionalmente pelos cristãos ortodoxos.

Cultos nas linguagens nacionais (especialmente o aspecto Cristão Ortodoxo, associado com o significado místico da compreensão da glossolalia, que foi incorporada à variedade linguistica local, às igrejas nacionais), a negação da determinação da Cúria Romana, a defesa do significado do "Katechon", a negação do celibato dos "padres" - estas teses centrais todas tipicamente luteranas poderiam muito bem ser chamadas de "teses cristãs ortodoxas". Outra questão é a reverência aos ícones e a negação dos rituais divinos, a liberdade de interpretações individuais sobre as Sagradas Escrituras, a rejeição do caráter sagrado do "Velho Testamento". Esses aspectos não podem ser considerados como cristãos ortodoxos, já que são os aspectos negativos do anti-papismo, que foi mais baseado na intuição espiritual, no protesto, do que nas grandes verdades da Tradição do puro Cristianismo Ortodoxo.

A rejeição de Roma em nome da Reforma do puro Cristianismo foi inteiramente justificada. Mas o que foi proposto em troca disso? Exatamente aqui encontramos o ponto mais importante. Ao invés de apelar para a completa e autêntica doutrina ortodoxa, os protestantes tomaram o caminho duvidoso das intuições e das interpretações individuais. Em suas manifestações superiores, essa foi a plêiade dos brilhantes visionários místicos. Mas, menos nesse caso, não houve qualquer aproximação com as eminências da Metafísica Cristã Ortodoxa. Em suas piores manifestações estava o Calvinismo e a variedade de sectos protestantes extremos, que não mantiveram nada do Cristianismo, exceto o nome.

Existe o dualismo entre Lutero e Calvino, entre o Protestantismo prussiano (e francês, o huguenote) e o Protestantismo suíço, o "Velho Testamento", o farisaísmo, a nomocracia do catolicismo, o componente judaico-cristão do papismo. Essa é a razão de a Bíblia luterana conter apenas o Novo Testamento e os Salmos, rejeitando os livros do Velho Testamento, que, para eles, são incompatíveis com a ética cristã e a orientação da tradição cristã em geral. Para o Calvinismo, ao contrário, há o historicismo do Velho Testamento (método histórico) com a negação virtual do caráter divino de Cristo, que se transforma numa espécie de "herói cultural ou moral".

Então, o Calvinismo desenvolveu as tendências mais não-ortodoxas, inerentes até mesmo ao catolicismo primitivo, tendências que Lutero, em seu criticismo, ampliou contra o catolicismo. Assim, existiram duas tendências opostas na Reforma. Uma, relativamente anticatólica do lado do Cristianismo Ortodoxo (o Luteranismo). Outra, anticatólica do lado anti-ortodoxo. O Catolicismo - especialmente difundido e expedido através dos países romanos - passou a existir entre duas versões do Protestantismo, cujos maiores portadores eram as nações germânicas.            

A maioria dos germano-prussianos orientais que, no início, eram as tribos eslavas germanizadas e que adotaram o Luteranismo, também conduziram o Calvinismo e as tendências judaico-cristãs ao seu estado absoluto. Logo, uma versão do Protestantismo (o Calvinismo, o fundamentalismo protestante) se torna a vanguarda do Ocidente - o Mar, o polo capitalista - e outra, ao contrário, aparece mais próxima do Cristianismo Ortodoxo (mas ainda longe de ser uma versão cristã ortodoxa) e o ramo do Cristianismo do Ocidente. A conexão entre o Protestantismo e o capitalismo foi agradável e, em detalhe, exposta por Max Weber em seu livro "A Ética Protestante", onde você pode encontrar explicações acerca das diferenças entre o Calvinismo e o Luteranismo. 

O exemplo é significante - o Protestantismo, na Inglaterra, leva às reformas capitalistas. Na Prússia, o Protestantismo apenas fortalece o sistema feudal. Consequentemente, Weber conclui que a questão se debruça sobre tendências diferentes. Numa análise análoga, o discípulo de Weber, Zombart, vai ainda mais além: ele traça a fonte do Capitalismo não apenas no Protestantismo, mas também na própria doutrina escolástica básica. Oswald Spengler apresenta observações interessantes acerca desse tema em seu trabalho "O Socialismo e os Prussianos".

O paradigma da oposição religiosa é definido como o Cristianismo Ortodoxo contra o Catolicismo e, mais tarde, contra o fundamentalismo Protestante extremo. Nessa antítese, a grande importância é anexada à proporção entre aquilo que pertence a este mundo e aquilo que pertence ao outro mundo, de acordo com a ética religiosa. A ética ideal do Cristianismo Ortodoxo consiste em insistir na reversão da proporção entre o mundo humano e o divino. O terreno para tal aproximação é o próprio Evangelho ("Eu não vim para os justos, mas sim para os pecadores", "é mais fácil para um camelo passar pelo buraco de uma agulha, do que um rico entrar no Reino dos Céus", e assim por diante), nas lendas do Cristianismo Ortodoxo e também na ética social da Igreja Oriental.

O bem-estar mundo é considerado como algo efêmero, insignificante, e a melhoria da vida nesse mundo é considerada como algo secundário e, em essência, sem importância diante da principal tarefa do cristão - a tarefa de obter o Espírito Santo, a salvação, a transformação. A pobreza e a modéstia, em tal visão, parecem não como uma espécie de lacuna, mas, ao contrário, um pano de fundo útil para a procura espiritual, para o ascetismo, o monasticismo, a distração para a matéria desse mundo, considerada como uma missão superior.

O sofrimento nesse mundo se torna não uma simples punição, mas uma repetição do glorioso e abençoado caminho de Cristo. Algo do outro mundo se manifesta através disso nesse nossomundo, fazendo deste último um mundo relativo, insignificante, transparente, transitório. Daí segue a tradicional (apesar de relativa também, é claro) negação da organização da vida, uma característica do Cristianismo Oriental. Alguém pode não concordar que tal aproximação do Cristianismo Ortodoxo traga sempre resultados positivos. Em sua manifestação superior, sua santidade, a não avareza para com o dinheiro, submete a consciência espiritual à ação, à contemplação. Em sua manifestação interior está a paródia, a preguiça e o descuido.

A Igreja do Ocidente, deste o início, foi notável por seu pesado interesse em assuntos mundanos, intrigas políticas, acumulação e distribuição de bem-estar mundano (ou secular). O fundamentalismo Protestante exagerou ainda mais esse aspecto, voltando toda sua atenção exclusivamente para esse mundo. A ética protestante frima que a pobreza em si mesma é um vício, e que a riqueza é uma virtude. Os outros elementos são completamente mudados para esse mundo, onde tanto a recompensa quanto a punição são transferidas do outro mundo para esse.

Isso foi condutivo para um surto sem testemunhas na esfera da organização da vida, mas diminuiu ou negou todo o aspecto contemplativo, meramente espiritual da religião. Nesses extremos não há somente a ausência do espírito, mas também a ausência de qualquer coisa da doutrina cristã. Daí seguem as tentativas de censurar o "Novo Testamento", o que produz contradições evidentes em relação às teses extremas do espírito Protestante. Esses dois tipos tão opostos de ética, tendo sido secularizados, por um lado deram origem ao socialismo, e, por outro, ao capitalismo liberal.

Em tal quadro, onde dois sujeitos históricos principais são definidos - a Igreja do Oriente (Cristianismo Ortodoxo) e a Igreja do Ocidente, ou, para ser mais preciso, o mosaico de confissões ocidentais, onde, na vanguarda, há o "fundamentalismo Protestante", torna-se claro que já passamos por através dele. A dialética de sua oposição desvenda a trajetória secreta do conteúdo histórico religioso. Agora, examinemos algumas outras confissões religiosas, nas quais está manifesto um fator escatológico suficientemente grande para alegar um papel de liderança no drama final da história. Apenas o Islã e o Judaísmo reivindicam esse papel.

O Judaísmo é o paradigma da religião escatologicamente orientada, e o Cristianismo em si mesmo é rigorosamente associado à escatologia judaica. A religião judaica desenha o que há de mais completo no quadro do fim dos tempos e da participação das nações e igrejas nele. Aqui está o esboço mais genérico acerca do senso de escatologia judaica. Os judeus não são apenas uma nação, mas, simultaneamente, um acesso religioso e comunitário, acesso esse que é negado aos representantes de outras nações. Tal identificação do elemento étnico com o religioso produz as características únicas apresentadas pelo Judaísmo. Nesse sentido, tudo o que foi dito na parte prévia acerca dos judeus como nação é plenamente aplicável ao Judaísmo como religião.

O Judaísmo é um sujeito da história religiosa, seu pivô. Por um longo tempo, a religião judaica esteve sob ataque das confissões dos "goyim", mas, no fim dos tempos, com o advento do Messias, que reunirá todos os judeus na t erra prometida e fará a restauração do Templo, o Judaísmo florescerá e se colocará como a liderança da Terra. O sionismo moderno tornou-se a expressão secular dessa escatologia religiosa. O fato de os judeus não terem se dissolvido como nação, e de que isso também não ocorreu com sua religião em meio ao mar de outras nações por longos séculos de dispersão, o fato de terem mantido sua fé em seu futuro triunfo, de que, tendo passado por tantos testes, tornaram-se hábeis a preencher o sonho longamente aguardado e recriar seu próprio Estado, causa uma grande impressão em qualquer observador imparcial.

Tal preenchimento literal das expectativas religiosas dos judeus que obviamente testemunha essa tradição é, realmente, intimamente associado com o mistério da história do mundo, e nem mesmo os céticos, negativistas ou anti-semitas podem descartar o assunto com um movimento de suas mãos. Além disso, durante os últimos séculos, o status do Judaísmo como religião se elevou da condição de heresia periférica não franqueada aos olhos das nações cristãs para uma confissão que recebeu voto e permissão para discutir e decidir as mais importantes questões mundiais. Contudo, devemos perceber que a unidade confessional dos israelenses não é tão sólida como pode parecer.

Existem - num esboço mais generalista - duas versões do Judaísmo: o espiritualista (místico) e o materialista (aquele que tem na organização da vida seu maior objetivo). As várias tendências da mística tradicional do Judaísmo - a Cabala, o Hassidismo e algumas seitas heréticas do tipo "Sabataísmo" - correspondem à primeira versão. A segunda versão se correlaciona com o Talmudismo, a interpretação literal e nomocrática , determinante para as questões cotidianas, a interpretação dos princípios da Torah. Nesse dualismo vemos o dualismo análogo correspondendo à tradição cristã em si mesma - a organização da vida no Cristianismo ocidental (do Catolicismo ao fundamentalismo Protestante) e àquela contemplativa e mística do Oriente (Cristianismo Ortodoxo).

Esse tema é um detalhe observado nos trabalhos do proeminente pensador judeu moderno, Gershom Sholem. O setor espiritual do Judaísmo - e isso não deveria mais surpreender ninguém - em primeiro lugar, é característica dos judeus da Europa oriental, em adição ao Hassidismo em si mesmo e do Baal-shem Tov, emergido e desenvolvido no território do império russo. E foi exatamente desses círculos extremamente espiritualistas que vieram a maioria dos revolucionários marxistas, bolcheviques e socialistas-revolucionários. A ética ascética do Cristianismo ortodoxo eurasiano e o ideal messiânico de irmandade correspondem precisamente à variação espiritual e mística da tradição judaica. Em sua forma secular, ela deu origem ao "Sionismo de Esquerda".

O ramo oposto, a ortodoxia Talmúdica, continua a política do racionalismo de Maimônides, do mesmo modo como os antigos saduceus gravitaram para a diminuição do fator dou outro mundo para a negação implícita da "ressurreição dos mortos", para a ética imanente da organização da vida. No caminho escatológico, o Talmudismo considerou o triunfo futuro dos judeus como uma vitória exclusivamente imanente, social e política, uma realização do enorme poder material.

Ao invés da transformação do mundo no fim dos tempos, pregam a "restauração" (tikkun) que foi antecipada pelos místicos judeus, talmudistas que identificaram a época messiânica como um tipo de reorganização dos elementos fornecidos, que iriam transferir os níveis de poder e controle às possessões dos representantes do Judaísmo e ao Estado de Israel restaurado. Tal imanentismo geral como tendência e ética, focado em solucionar as questões diárias desse mundo, questões práticas, une tanto os rabinos ortodoxos quanto os "Sionistas de Direita". Em outras palavra,s do mesmo modo como no caso da escatologia étnica, o campo religioso do Judaísmo é expandido entre dois polos - o oriental (expressado no Cristianismo ortodoxo) e o ocidental (expresso no Catolicismo e no extremismo Judaico/Protestante).

A tradição islâmica, conectada com a herança das religiões semíticas, no entanto, é incomparavelmente menor em termos escatológicos do que o Cristianismo ou o Judaísmo. Apesar de também existirem doutrinas escatológicas desenvolvidas no Islã, isso se torna algo evidentemente secundário diante da lógica massiva da assertiva monoteísta que não depende de razões cíclicas. As versões mais escatológicas do Islã não se espalham dentre os puros árabes do Norte da África, mas sim no Irã, na Síria, no Líbano e especialmente entre os xiitas. O ramo xiita do Islã é o mais próximo da ética cristã e da orientação escatológica. Há vários paralelos aqui que podem ser comparados à marca espiritual do Judaísmo.

Os sectos xiitas extremos - os Ismaelitas, os Alavitas e assim por diante - baseiam suas tradições no tema escatológico, esperando pelo advento do "Ímã oculto" ou do "Kaiim" (o "ressurreto"), que restaurará a tradição genuína, deteriorada por séculos de compromissos e desvios, e reconduzirá a humanidade para o reinado da justiça e da irmandade. Essa marca escatológica do Islã - tanto no contexto xiita quanto além dele - e esses sectos podem ser considerados como uma variedade do "eurasianismo" numa interpretação mais geral. Isso corresponde exatamente à perspectiva escatológica do Cristianismo ortodoxo, ainda que opere, é claro, com outra terminologia confessional e dogmática. A outra versão não-escatológica do Islã, brilhantemente expressa no Wahhabismo Saudita, a despeito dos poderosos mecanismos da mobilização fanática, é bastante neutro no sentido da conceitualização do papel do Islã no fim dos tempos ou considera o problema sob uma perspectiva técnica e material.

A população islâmica cresce firmemente, e o fator de significância islâmica está crescendo por um caminho natural. Tanto o pragmatismo Wahhabita quanto as formas não-escatológicas do fundamentalismo islâmico podem revelar seus aspectos, que são tipologicamente similares ao fundamentalismo da organização de vida dos judeus ortodoxos e dos protestantes.

Na atualidade, alguém dificilmente poderia falar seriamente acerca do "fator islâmico" como algo unificado, suficientemente grande para supor sua própria versão independente e religiosa de "fim dos tempos". Nós só podemos notar que o anti-Judaísmo ou, falando de modo exato, o anti-Sionismo, é um fator comum para o mundo islâmico. E, nesse sentido, expor o problema étnico e religioso em detrimento da acentuação da principal oposição entre o Cristianismo ortodoxo e o Cristianismo ocidental, nos faz lembrar da situação pela qual passamos, analisando a significância do racismo alemão.

A gravitação de muitos ideólogos islâmicos para fazer de 'Israel" e dos "judeus" a questão central da história moderna, tendo exagerado a contradição islamo-judaica, novamente nos leva ao impasse e à situação insolúvel, que entrava tanto a clarificação das funções e a identificação de muitos dos sujeitos da história humana, cuja conclusão está inevitavelmente se aproximando.

Nós devemos notar que o Islã, em si mesmo, também começa a ser considerado como um tipo de "espanto" em face do qual as forças "progressivas" ou até mesmo os "países cristãos" devem se unir. Em outras palavras,m o Islã, ou o tão chamado "fundamentalismo islâmico" começa a desempenhar, hoje, a função do fascismo não-existente. Nós vimos o quão dúbio foi o papel do fascismo em todos os níveis da luta real. Seria extremamente perigoso reproduzir a situação análoga, agora em relação ao Islã.

A última Fórmula

Chegaremos, finalmente, no curso de nossa análise. Nós percebemos que todos os níveis dos mais generalizados modelos reducionistas da teleologia histórica existem existem quase sempre as mesmas trajetórias e processos de desenvolvimento histórico. Agora, nós iremos simplesmente reunir todos os componentes revelados na última fórmula generalizante.

Então, dois sujeitos, dois polos, duas realidades agem através da história. Sua oposição, sua luta, sua dialética fazem o conteúdo dinâmico da civilização. Esses sujeitos se tornam mais e mais claros e evidentes, saindo da obscuridade, de uma existência velada e "fantasmagórica" para algo claro, avançado, uma forma estritamente fixada. Eles universalizam e absolutizam.

O primeiro sujeito é o Capital = Mar (Ocidente) = Anglo-saxões (no amplo sentido do termo "romano-germanos") = confissões cristãs ocidentais.

O segundo sujeito é o Trabalho = Terra (Oriente) = Russos (no amplo sentido do termo "eurasianos") = Cristianismo Ortodoxo.

O século XX é o ponto de culminação dessas duas forças de oposição em máxima tensão, a última batalha, o Endkampf. No momento em que nós estabelecemos esse fato, o primeiro sujeito se torna - quase que por todos os parâmetros - apto a superar o segundo. E o principal instrumento, o movimento tático da vitória do Ocidente, é repetido constantemente e em todos os níveis, usando algumas realidades intermediárias (terceiras), pseudo-sujeitos terciários da história, que, a cada momento, se transformam numa miragem incorpórea, destinada e ocultar a verdadeira essência da oposição escatológica.

A vitória do Ocidente (em sua completa extensão). As assertivas liberais otimistas, de que esse é o final e de que a "história foi vitoriosamente concluída". Os mais cuidadosos dizem que isso é só um estágio provisional, e que o gigante caído poderia se colocar novamente de pé sob certas circunstâncias.

Ainda mais: o lado vencedor encara uma nova situação, completamente incomum, a situação da falta de um inimigo, o duelo com o qual o conteúdo histórico havia sido construído. Consequentemente, o atual sujeito da história, tendo sido deixado sozinho, deveria resolver o problema da pós-história que lhe desafia - seria esse o sujeito remanescente da pós-história ou sua simples transformação em alguma outra coisa? Mas esse é um assunto absolutamente diferente.

E o que aconteceu com o lado derrotado? É difícil esperar reflexões claras e imparciais disso. Em muitos casos, não há o entendimento sobre o que aconteceu com esse sujeito, e o órgão amputado - no dado caso, o coração - ainda dói e aperta, como num paciente após uma operação. Apenas poucas pessoas compreendem claramente aquilo que aconteceu no início dos anos 1990.

Ou seja, não é possível explicar o fato de que Gorbachev pode andar calmamente pelas ruas, correndo apenas o risco de ser, talvez, esbofeteado por um trabalhador pobre e falido.

Tradução: Jean Augusto G. S. Carvalho

Fonte: avante