O que a filosofia de Vicente Ferreira da Silva pode ensinar aos adeptos da Quarta Teoria Política

O filósofo brasileiro Vicente Ferreira da Silva nasceu, em São Paulo, no dia 10 de janeiro de 1916 e faleceu, num acidente automobilístico, na mesma cidade, no dia 19 de julho de 1963. Casado com a poetisa Dora Ferreira da Silva, manteve contato com vários pensadores de sua época, como Guimarães Rosa, Eudoro de Sousa, Miguel Reale (com o qual fundou o Instituto Brasileiro de Filosofia), Vilém Flusser, Agostinho da Silva, Eugen Fink, entre outros. Tentou lecionar na Universidade de São Paulo, mas foi preterido em relação a João Cruz Costa.

Seu pensamento nos mostra que a filosofia é algo vivo no mundo, não um mero saber acadêmico restrito aos livros.

Vicente Ferreira da Silva não elaborou um sistema, mas nos legou uma coleção de pequenos e engenhosos ensaios sobre os mais diversos temas filosóficos, com influências variadas e heterogêneas. Sua obra pode ser dividida claramente em três fases distintas, nas quais a segunda e principalmente a última fase nos interessam muito. A primeira fase é a da Lógica simbólica/matemática, a segunda aborda temas fenomenológicos e existencialistas e a terceira (e mais madura e profunda) é conhecida como mítico-aórgica. É muito interessante a jornada filosófica percorrida por Vicente, a mais absoluta antítese dos caminhos progressistas, racionalistas, materialistas e cientificistas da modernidade. O pensamento moderno ilustra como forma de progresso o trajeto que se inicia no homem ligado ao misticismo e ao mito, e, em seguida, libertando-se desses elementos, percebe-se enquanto humano e ser-aí no mundo, contemplando e refletindo sobre o que significar essa natureza. Esse filosofar causa a descoberta da razão, que finalmente conduz ao mais puro, elevado e correto modo de raciocinar e ver o mundo. Vicente partiu de um pensamento puramente racional e matemático, passou por um mergulho na alma do homem e finalmente se elevou até a sacralidade do divino.

Sobre a primeira fase de seu itinerário, vale citar que a obra Elementos de Lógica Matemática foi a primeira no Brasil a abordar o tema, sendo, portanto, uma produção de cariz exordial no pensamento lógico brasileiro.

A transmutação de seu pensamento lógico para uma concepção fenomenológica se dá num processo bastante original. A despeito de ser uma mudança de pensamento análoga à de Edmund Husserl, a passagem de Vicente aconteceu de modo peculiar e singular. A fenomenologia de Vicente apresenta muitas influências de Hegel e de Fichte. Melhor dizendo, podemos afirmar que a segunda fase de seu pensamento, cujo ponto alto se encontra no ensaio Dialética das Consciências, é uma síntese da Fenomenologia de Husserl e do Idealismo de Hegel e de Fichte. Entretanto, mesmo com essa enorme influência hegeliana, seu pensamento era original, seguindo um caminho contrário ao do alemão. O caminho de Hegel em direção a razão é para Vicente um afastamento do mito.   

Vicente Ferreira da Silva tinha um enorme apreço por Hegel, mas era extremamente crítico ao desenvolvimento do pensamento hegeliano operado por Karl Marx. A crítica de Vicente ao marxismo é bastante profunda, chegando a ser uma crítica à imanência de maneira geral, atingindo o âmago de todas as formas de materialismo e indo tão longe a ponto de atingir Epicuro e Demócrito.

Sem jamais negar a importância da Fenomenologia, mas com uma influência cada vez maior de Heidegger e sua ontologia geral, Vicente vai se afastando cada vez mais dessa segunda fase de seu pensamento. Alguns comentaristas apontam que o estudo das consciências teria sido um dos fatores nessa última mudança. Mas esse não foi o principal motivo dessa transmutação final, motivo esse que nos é desconhecido. Há quem acredite, e aqui nos inserimos nesse grupo de tal opinião, que Vicente vivenciou uma experiência de conversão espiritual, que resultou numa verdadeira metanoia filosófica.  Seus interesses se voltam cada vez mais para a mitologia, a História das religiões, a antropologia e a etnologia. Vale destacar também o interesse de Vicente pela fase da filosofia da religião no pensamento do alemão Schelling, principalmente em obras como A Filosofia da Mitologia e As Idades do Mundo e vários outros nomes como Böhme, Schlegel, Hölderlin, Novalis, Kerényi, Eliade, Nietzsche, Spengler e outros.

Vicente se aproxima de um politeísmo, que se relaciona ao estudo das consciências, citado acima. Para nosso filósofo, os deuses são potências que, ao se apossarem dos homens, criam a consciência. Os deuses são realidades meta-humanas e, assim sendo, não são criadas pela consciência, mas sim a criam. A passagem do mito para a filosofia clareia a consciência, mas oculta a presença dos deuses. Um conceito de extrema importância na filosofia de Vicente é que sempre que ocorre um desvelamento, outro elemento é ocultado, o que ele chama de desvelamento oclusivo. Então, ao se desvelar a consciência, são ocultados os deuses. Todo o pensamento de Vicente pode ser sumarizado na inversão entre mito e logos. Ele propunha que a filosofia evoluísse retornando ao sagrado, aos deuses, exatamente o contrário do que buscava o hegemônico pensamento positivista e racionalista brasileiro. Esse foi um dos principais motivos do isolamento intelectual que lhe foi imposto. Aqui, podemos perceber como o próprio conceito de desvelamento oclusivo opera: ao resgatarmos o pensamento de Vicente, descobrimos o motivo de seu esquecimento. Ao imporem o esquecimento de seu pensamento, nos é desvelado o ponto mais central de sua obra, o aórgico, a sacralidade do mundo.

O pensamento de Vicente Ferreira da Silva pode ensinar a nós, tradicionalistas, nacional-revolucionários e adeptos da Quarta Teoria Política em busca da compreensão do dasein brasileiro, que mito e filosofia são os dois aspectos primordiais da cultura. Dessa forma, ao ressacralizar o mundo que nos rodeia, em diversos aspectos nele contidos (a espiritualidade, a História, as culturas, os povos, et cetera), refletimos sobre sua transcendência, criando possibilidades e novos caminhos para uma cosmovisão genuinamente brasileira, que será o sustentáculo metafísico de nossa autodeterminação. Ao entender os mitos e a sacralidade do nosso povo, estamos aptos e desenvolver ferramentas ontológicas que desvelam a tradição, a cultura, a identidade e a espiritualidade de nosso povo, ao mesmo tempo em que operam o esquecimento do pensamento materialista e decadente moderno.