Entrevista com Raphael Machado – Hispanidade como Quarta Teoria Política

Entrevista concedida por Raphael Machado, líder da Nova Resistência, a Fernando Rivero em agosto de 2020, publicada na revista metapolítica espanhola Nihil Obstat n.36/37, lançada em agosto de 2021.
Raphael, trace para nós um breve perfil de sua trajetória ideológica e profissional
Minhas saudações aos camaradas da revista Nihil Obstat. Bem, meu nome é Raphael Machado, sou natural do Rio de Janeiro, me formei em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e depois comecei a advogar. Minha trajetória ideológica começou há uns 16-17 anos, com minhas leituras particulares sobre Segunda Guerra Mundial e os empreendimentos político-ideológicos da Terceira Teoria Política.
Mas em um sentido mais coletivo, de transformar ideia em ação, minha trajetória começa 12 anos atrás, em 2008, quando, graças às redes sociais encontrei outras pessoas de posicionamento semelhante e começamos a montar um grupo de estudos sobre Fascismo, Nacional-Bolchevismo, Revolução Conservadora, Tradicionalismo e temas semelhantes. Foi nessa mesma época, em 2010, que eu montei o blog Legio Victrix, ainda na chamada “era dos blogs dissidentes”, época na qual algumas dezenas de blogs portugueses e espanhois eran os principais meios de divulgação do pensamento dissidente e de autores esquecidos. A maior parte dos blogs parou de publicar, mas o Legio Victrix seguiu, e hoje certamente é o maior arquivo dissidente em língua portuguesa, com mais de mil textos traduzidos.
Pouco depois, em 2011, o grupo de estudos supramencionado serviu como base para a realização de eventos como o Encontro Evoliano de Curitiba, e se transformou em 2012 na Editora Austral, iniciativa editorial que lançou pela primeira vez os livros de Aleksandr Dugin, Alain de Benoist e Alberto Buela no Brasil (além de uma obra de Julius Evola.), e que trouxe Dugin pela primeira vez ao Brasil.
No final 2012, eu me separei da Editora Austral por conta de sabotagens empreendidas por outros membros contra mim (a Editora se desintegrou em 2013), e segui em outras direções. Em 2013, eu tentei dar início a um projeto identitarista-regionalista que não deu certo. Em 2013 eu criei também a Frente Brasileira de Solidariedade com a Síria, principal veículo de mídia pró-Assad em língua portuguesa. Em 2014, após o Maidan, eu então criei a Frente Brasileira de Solidariedade com a Ucrânia, principal veículo de mídia pró-Donbass em língua portuguesa. Através da FBSU nós conseguimos intermediar a ida de 10 brasileiros à Ucrânia para combater as forças mercenárias globalistas, o mais famoso sendo Rafael Lusvarghi.
Em 2015, então, dei início a meu empreendimento atual, fundando a Nova Resistência, principal organização nacional-revolucionária do Brasil e maior representante da Quarta Teoria Política nas Américas. O conteúdo de meu pensamento acompanhou esses empreendimentos: passei de um “fascismo de esquerdas” ao “tradicionalismo radical evoliano” (mas sempre com aquele viés “nazimao” de Franco Freda), até chegar na “Quarta Teoria Política”, como projeto abstrato, e começar a construção prática de uma “quarta posição brasileira”, inspirada pelo trabalhismo de Getúlio Vargas.
Você chega a Dugin através do pensamento de Evola. O que representou para o movimento dissidente brasileiro a organização dos encontros evolianos em Curitiba há uns 10 anos?
O Brasil viu seis Encontros Evolianos. O primeiro foi realizado na Paraíba, creio que no final de 2010, pelo Dídimo Matos. Nós realizamos então um Encontro Evoliano em Curitiba em meados de 2011. Em 2012, houve um Evoliano na Paraíba e outro em Curitiba, nos quais compareceu Aleksandr Dugin para palestrar. Em 2013 houve ainda um último Encontro Evoliano em Curitiba, que contou com a participação de Alberto Buela, e finalmente em 2014, Dídimo Matos realizou o último Encontro Evoliano em São Paulo.
Os Encontros Evolianos foram fundamentais. Posso dizer com tranquilidade que a Nova Resistência não existiria sem esses encontros. Conheci muitos de meus atuais camaradas através deles. Os eventos também foram fundamentais para difundir de forma mais ampla o pensamento dissidente em nosso país. A última edição teve grande oposição da comunidade judaica brasileira por conta da vinda de Alain Soral ao nosso país.
Algum dia pretendemos voltar a realizar este evento.
O livro da Quarta Teoria Política foi traduzido antes no português do Brasil do que em espanhol. Creio que ainda não há uma versão em Portugal. Foi todo um marco a sua tradução e publicação pela Editora Austral em Curitiba (Paraná, sul do Brasil). Qual era a sua relação com essa editora e o que houve com ela?
Muito resumidamente, eu dei início à criação da Editora Austral e comecei o projeto da tradução dos livros de Dugin no Brasil. Não obstante, à época, algumas pessoas do grupo que estava por trás da Editora não queriam que eu continuasse no comando e sabotaram a minha condução do círculo. Eu, então, preferi abandonar o grupo, sabendo que eles não iriam muito longe. Não surpreendentemente para mim, a editora durou apenas mais 1 ano após minha saída, e hoje a maioria dos ex-membros se converteram ao olavetismo e a reacionarismo de direita.
Há muitos que dizem que os partidários da QTP são terceiro-posicionistas que não querem ser identificados com o fascismo e o nacional-socialismo. O que você poderia dizer sobre isso?
Muitos atuais adeptos da QTP de fato vieram da TTP, mas isso é natural porque a distancia entre as duas é menor do que a distancia entre a QTP e a STP. Não obstante, me parece uma falácia que a Quarta Teoria Política seria apenas um neofascismo ou mero refúgio para neofascistas envergonhados.
Ainda que houvesse elementos do tradicionalismo, que é tão central para a QTP, na TTP, esses elementos eram secundários e estavam marginalizados. Prevaleceu na TTP o pragmatismo da conciliação com as forças burguesas, com as forças da ordem, e um nacionalismo chauvinista e anticomunista que levou os movimentos e países vinculados à TTP a cometerem uma grande série de erros.
Eu gosto de chamar a QTP de “Evolianismo Político para o Século XXI”. A QTP revisa o fascismo e o comunismo, absorvendo elementos positivos dessas duas teorias, mas essa síntese está submetida a um pensamento evoliano renovado, revigorado, ainda mais radical, uma fórmula perfeitamente adaptada aos desafios inéditos do mundo pós-Guerra Fria.
Você lidera a Nova Resistência no Brasil, condutora da QTP na América Ibérica e, acreditamos, única organização ibero-americana que reivindica essa ideologia. Você crê que podem surgir organizações de quarta posição na América hispanófona? Poderia a NR liderar a QTP em toda a América Ibérica?
Farei nesse ponto uma correção. A Nova Resistência é, de fato, a maior, mas na América Ibérica já há outras organizações como o Centro de Estudos Crisolistas, do Peru, a Vanguardia Nacional, da Colômbia, a Revista Nomos, da Argentina, e alguns outros pequenos projetos. Eu diria que nosso continente é um terreno bastante fértil para a difusão da Quarta Teoria Política. Basta que as pessoas certas se dediquem ao projeto.
Tanto pela importância geopolítica (e geosófica!) do Brasil, como pelo tamanho de nossa organização, nós estamos dispostos a ajudar e apoiar os defensores da QTP na América Ibérica em tudo que precisarem.
A geopolítica é muito importante na QTP. Como você vê o papel de Espanha e Portugal na integração ibero-americana? Há um setor patriótico na Espanha, de origem falangista, que gostaria de uma separação da UE e uma união com os países ibero-americanos sob o guarda-chuvas da Hispanidade. Como você enxerga uma união desse tipo ou acredita, no sentido contrário, que o espaço geopolítico espanhol é Europa ou Eurásia?
Em minha opinião, o destino de Portugal e Espanha é na Europa/Eurásia. O nosso é aqua. Celebramos e honramos o legado ibérico, como possivelmente o aspecto mais relevante de nossas varias heranças, mas acreditamos que constituímos uma civilização particular, específica, aqui na América Ibérica. E essa civilização não é mera cópia da civilização europeia ibérica. É algo novo.
Penso que Brasil e Portugal, tal como os nossos vizinhos e Espanha devem desfrutar de uma relação especial, diferenciada, no âmbito econômico, cultural, diplomático, tecnológico, acadêmico, talvez até militar, mas sem que confundamos as distintas realidades civilizacionais.
Em sua opinião, o Brasil constituiria um espaço geopolítico por si mesmo ou deveria se integrar na Pátria Grande Ibero-Americana defendida por Perón?
Em minha opinião, o Brasil debe conduzir a integração das nações ibero-americanas ou, pelo menos, sul-americanas, em uma Pátria Grande. Este era o projeto de Vargas, Perón, Ibañez, Haya de la Torre, e outros. Somos uma mesma civilização ibero-americana, praticante de um catolicismo popular, herdeiros de Roma. E sem essa integração, seremos perpetuamente vítimas de estratégias de sectarismo e divisionismo aplicadas pelos EUA e Grã-Bretanha em nosso continente, sempre colocando uns países contra os outros.
Observemos que os anglo-americanos já ocupam diversas bases em nosso continente. Eles nos cercam. Estão nas Malvinas, em Alcântara, na Colômbia. Israelenses e ingleses abocanham grandes partes da Patagônia. Para não falar na presença atlantista na Antártida, que por direito é área de interesse sul-americana.
Que opinião você tem dos separatismos sulistas (dos três estados do sul brasileiro, fundamentalmente de ascendência europeia)? Vocês o consideram semelhante ao separatismo catalão, patrocinado pela alta burguesia catalã?
Eu respeito e aprecio os identitarismos regionais e locais, e não creio em nenhum nacionalismo chauvinista, nivelador e homogeneizante. É pelas identidades orgânicas, concretas, enraizadas que estamos lutando. As identidades concretas são sempre locais. Por outro lado, creio que as identidades regionais e locais brasileiras confluem em uma Brasilidade, tal como me parece ser o caso espanhol (e de tantos outros países, na verdade). Trata-se de “unidade na diversidade”, de algo que é simultaneamente múltiplo e um. Uma imagem bastante neoplatônica, na verdade.
Especificamente no que concerne os separatismos sulistas (ou outros, como o pernambucano, o paulista, etc.), são tendências, de modo geral, irrelevantes atualmente. As pessoas dessas regiões são mais orgulhosas, regionalistas e bastante conscientes de sua identidades. Veem de forma negativa a influência cosmopolita manejada pela mídia brasileira, que é praticamente monopolista e manejada a partir do Rio de Janeiro e de São Paulo. Também veem negativamente a má administração dos impostos por parte de Brasília. Nisso tudo estão com a razão.
Não obstante, em um sentido mais prático, o separatismo militante permanece o reduto de pequenos grupos liberais ligados à maçonaria e à direita libertária.
O que se deve ter em mente, é que quanto mais se tentar impor uma visão nivelada e homogeneizante do Brasil, de cima para baixo, mais legitimado e fortalecido estará o sentimento separatista. Nossa visão do Brasil deve abarcar a pluralidade de identidades.
Na Europa se tem uma visão muito deformada da realidade ibero-americana. Muitos defensores da Hispanidade possuem um conceito idealizado dessas sociedades. Pensam que são majoritariamente católicas, por exemplo, ignorando que em países com o Brasil e outros, talvez 40% da população já esteja sob a égide ideológica do sionismo protestante (Igreja Universal do Reino de Deus e milhares de seitas evangélicas e [neo]pentecostais) exportado dos EUA, destruindo as raízes tradicionais dos povos ibero-americanos. Como se pode conquistar essas pessoas para a luta anti-imperialista se, ainda mais que o conjunto da sociedade, se impregnaram até a medula de ideologia calvinista e liberal?
O Brasil do século XXI não é, infelizmente, o Brasil que conhecíamos até os anos 50-60 nesse sentido. De fato, desde os anos 70-80, os EUA tem exportado as suas seitas neopentecostais, com o objetivo de combater a Teologia Católica da Libertação, vista como simpática aos projetos nacionalistas de esquerda da América Latina.
A realidade é que o Brasil cresceu muito demograficamente nos últimos 50 anos, e a Igreja Católica, em franca decadência, não deu conta desse crescimento. Isso significa que há bairros enormes sem paróquia católica. Veja, um padre precisa estudar por mais de 10 anos. Um pastor evangélico só precisa ser alfabetizado. Qualquer garagem ou quintal pode virar uma igreja neopentecostal.
Os principais pastores neopentecostais brasileiros são grandes motores do sionismo neocon no Brasil. São base de apoio importante do governo Bolsonaro. Por outro lado, a massa neopentecostal, em si, não é tão unilateralmente liberal. O neopentecostalismo não apenas exerce influência no Brasil, como também foi influenciado pelas tendências espirituais nacionais, de modo que as massas neopentecostais possuem práticas que são praticamente pagãs, com amuletos, transes, e esse tipo de coisa.
O vosso movimento reivindica o trabalhismo de Getúlio Vargas. Até que ponto é importante a defesa das classes trabalhadoras em vossa visão da QTP?
Em nossa opinião é central. Nós interpretamos o trabalhismo como a via brasileira para o comunitarismo, que é o “ismo” que vemos como característico da Quarta Teoria Política.
Em um sentido evoliano, ainda, tomamos o trabalhismo como um ponto de partida para uma restauração política em sentido tradicional. Após a Guerra Fria, inaugurou-se ao redor do mundo a era dos párias, o Quinto Estado, não vivemos mais sob a égide dos mitos do operário, do proletariado, etc., mas sob o signo do precariado, do trabalhador informal. É a Era do Último Homem.
Nesse contexto, o “Trabalhador” de Ernst Jünger se torna relevante mais uma vez, como uma primeira possibilidade de devolver a uma massa informe, caótica de divíduos nomádicos, uma Forma, um modelo mais elevado que o do pária, em uma espécie de “nacional-bolchevismo evoliano”, mas como ponto de partida para uma lenta e longa marcha de volta ao domínio dos Reis-Filósofos.
Você gostaria de acrescentar mais alguma coisa? Muito obrigado por ter concedido essa entrevista à Nihil Obstat.
Eu gostaria de agradecer a oportunidade por conversar com os camaradas da Nihil Obstat, uma revista importante para o mundo dissidente e de altíssima qualidade. A pesar de sermos nacionalistas revolucionários, nós somos também “inter-nacionalistas”. A causa espanhola é nossa causa também, tal como a causa palestina, a causa síria e todas as causas dos povos. Estaremos sempre dispostos a apoiar o povo espanhol em sua luta por sua identidade, e pegaremos em armas por vocês se preciso, tal como tivemos membros da NR que lutaram pelo Donbass.
Gostaria ainda de dizer que nós, da Nova Resistência, possuímos uma grande apreciação e interesse pelo mundo ibérico, e com isso não nos referimos apenas a Portugal, mas também à Espanha. É importante ressaltar que nosso país possui entre 15 e 18 milhões de hispano-brasileiros, de brasileiros de sangue espanhol. Somos países diferentes, pertencentes a civilizações distintas, mas possuímos muitos laços históricos e culturais e temos muito a ganhar fortalecendo esses laços.
Fonte: Revista Nihil Obstat